José Prazeres Matos

Fazer a barba passou de um exercício comunitário para uma arte esquecida e abafada pelas bics descartáveis e as máquinas elétricas. Há ainda, no entanto, clientes fiéis nos bairros mais tradicionais, e não os tradicionais fashion mas os tradicionais a sério, como este pedaço do alto de Santo Amaro. Quando passava aqui todos os dias para ir para o meu liceu no topo, a montra bem kitsch desta barbearia sempre me chamou a atenção e ao meu irmão também, que há anos que corta o cabelo aqui. Vim acompanhá-​lo da última vez e entre as conversas típicas de bairro viu-​se alguma renovação da clientela, não tanto para a barba, mais para o cabelo, provavelmente pela rapidez e pela eficácia do corte de homem, aliado ao preço muito, muito baixo. O chamado no-​frills haircut, à antiga.

Nos dias de hoje a profissão de Barbeiro encontra-​se em extinção ora porque os Cabeleireiros, à partida mais apetrechados em produtos, aparelhos e serviços «lhes vieram tirar o lugar» ora porque grande parte dos homens faz a sua barba e/​ou cabelo em casa. No entanto, alguns são mais conservadores, como é o caso do meu irmão a quem acompanhei a este espaço; ainda resistente e com clientes fixos de longa data assim como outros mais recentes. Reparei que mal tive tempo de observar a Barbearia em detalhe tal foi a rapidez e a perfeição do corte de cabelo do meu «mano». No que respeita a preços, indubitavelmente mais acessíveis que em um dos ditos salões de beleza. «Apesar da tradição já não ser o que era, não fico à espera!».

Esta antiga barbearia em Alcântara foi o sítio que imediatamente me veio à ideia quando reparei que tinha de cortar o cabelo. Esta zona da cidade é uma área residencial, bastante tranquila e habitada na sua maioria por gente mais idosa e estudantes. Talvez por isso e pelos seus clientes fiéis (novos e velhos), a barbearia continua a funcionar em pleno. Entrei e disse que ao que vinha. Responderam-​me para me sentar um pouco, que já ia ser atendido. Não passaram 5 minutos e já estava sentado numa das 3 cadeiras de barbeiro bastante antigas, que apesar do aspecto de desgasta era bastante confortável. Pente 2 — disse eu, quando me perguntaram como iria ser. Enquanto o senhor barbeiro preparava a máquina de corte reparei no espaço à volta: é um salão amplo típico das antigas barbearias. O enorme espelho cobre praticamente uma das paredes. As restantes, revestidas a madeira, estão forradas de fotografias a preto e branco mais ou menos amarelecidas com o tempo. Um rádio escondido algures passou 2 fados da Amália, seguido das notícias do meio-​dia. Não tive tempo de ouvir o noticiário até ao fim pois logo o senhor me perguntou, com um espelho nas mãos, se o corte estava bem feito. Respondi que sim, e com um espanador com cheiro a pó talco logo veio tirar-​me os restos dos cabelos do pescoço e orelhas. E pronto, já estava despachado. Paguei e saí. No fim fiquei com a sensação de ter entrado numa caixinha do tempo e, durante os 30 minutos que ali permaneci, conheci uma Lisboa já perdida. O serviço, esse, foi de 5 estrelas. Para quem gosta do conceito, recomendo.